I – Mãe de Quebrada
Acorda cedo, faz uma reza ao se levantar, água no fogo, café
ralo pois o pó está quase no fim
Arruma menino, ajeita o cabelo, menino quase dormindo nas
ancas, sabe assim quando se encaixa no quadril, deixa na casa
de amiga, outra preta que cuida dos seus
e de suas iguais para um trocado salvar e ao mesmo
tempo algumas irmãs como ela ajudar
Sobe a rua de casa, correndo para a condução não
perder, pro patrão não humilhar,
nem desconto de dinheiro num sofrer
Né fácil não, ser mulher, mãe solteira, mãe preta, comprar o pão
e ter sempre arroz e feijão
Sorriso no rosto é sempre presente, ainda que a dor lhe seja
latente, mas fica feliz em comprar o sonho
da padaria, o Danone pros filhos comer em dia
de domingo, que pra ela quase não tem.
Clara Nunes toca alto na vitrola,
ela que ser concorrente
dos altos faltes já estourados,
canta como se fosse a backing vocal do coral
seu coração se alegra,
quando vê que os meninos correndo no quintal, boca suja de
açúcar, dizendo mãe
como você não tem igual, mãe você é nossa maioral
Anos se passaram e a maioral comprou casa própria,
lutou e os meninos cresceram,
todos eles estudaram, tem um que até doutor virou
Mulher
forte e guerreira, nenhum macho sustentou
Até hoje se emociona com bigode de Danone, beiço sujo com
açúcar, os meninos uns “homi” grande que só a gota,
ela ainda canta Clara, agora sem muito gritar,
a voz tá meio fraca, ouve mais baixo sentadinha, com a capa do
LP na mão
a reza é sempre agradecendo a DEUS e seus Orixás,
sussurra baixinho:
Oxalá meu pai
Oyá minha mãe agradeço pelo zelo por me proteger e comigo
das crias cuidar.
II – Mulheres Atacantes
Sempre ouvimos dizer que a vida é um jogo,
e como cantou lindamente Elis Regina
Vivendo e aprendo a jogar
Nem sempre ganhando, nem perdendo, mas aprendendo a
jogar,
Para nós mulheres, nascer crescer e viver é um jogo constante,
as vezes atacamos, as vezes defendemos,
fazemos cada golaço na vida,
mas olha não se enganem
já tomamos vários carrinhos, e tantos pênaltis que a lesão
muitas vezes é na alma,
E o pior que nem tem VAR para rever e voltar atrás,
se pensarmos direitinho cada uma de nós somos muitas,
e posso afirmar que ocupamos as 11 posições
no campo da vida,
foda é o juiz ser um mundaréu de gente à toa
Como goleiras camisa1 somos a última da linha de defesa e
também as primeiras a atacar,
Defendemos nossos sonhos, nossos filhos, nossos corpos,
nossas ideologias, nosso direito de fazer ballet ou lutar judô,
jogar capoeira ou brincar de boneca, “tamo” na defesa
constante desde sempre
Atacamos também, a função primordial é evitar que a bola da
incerteza, do machismo, sexismo e intolerância faça um gol.
O gol do preconceito fere, mata mutila, e neste mesmo
jogo da vida nos encontramos, lateral direito ou lateral
esquerdo temos a tarefa de defender o goleiro.
Ó pra você ver, somos goleiras e defensoras de nós mesmas
mais uma vez,
como zagueiras temos que ser fortonas, e dar cada pulo para
as bolas aéreas
sim, medos e fobias criam asas e voam, ficam acima de nós
tentando nos tolher
Vivendo e aprendo a jogar
Nem sempre ganhando, nem perdendo, mas aprendendo
a jogar.
De vez em quando me coloco como libero sendo mais flexível
comigo mesma,
aprendendo a não me culpar, fazendo minha defesa deixando
o jogo correr
É bom quando isso acontece, pois viro volante rapidinho,
recupero minha autoestima, reafirmo quem sou,
e como boa volante, defendo também minhas ideias e ideais
E do nada bato um bolão comigo mesmo, e sou meia, sabe?
Aquele que ataca, defende e dá ritmo ao jogo da vida
E nesse jogo da vida, sei que sou Atacante nata, marco um gol
bonito para mim,
o maior deles é elevar minha autoestima, amar meu rosto cada
traço dele,
meu cabelo, meu corpo minha trajetória é linda,
e como ponta, jogo para as laterais o que vai
atrapalhar minha evolução, vai estagnar
meu crescer e ficar parado no meio do campo
É uma doideira ser mulher e ainda bater um bolão
no jogo da vida
Nenhuma mulher é reserva de nada, somos titulares, somos o
que queremos ser,
Tamo no jogo e não queremos juízes, apenas o
abraço da galera, gritando:
É campeã!
Somos todas titulares no jogo da vida
Vivo e aprendo a jogar
Nem sempre ganhando, nem perdendo, mas a aprendo a jogar